Um raio de sol iluminou o quarto, forçando-me a abrir os olhos.
Ensonada fiquei a olhar para os reflexos que a luz deixava na parede. Era uma coisa tão simples, mas tão bonita...
Ouvi os passarinhos a cantar e uma alegria quase infantil apoderou-se de mim. O Inverno tinha sido como um longo, escuro e frio rastejar em direção ao sol, mas finalmente a Primavera chegara e, com todos os seus clichés, prometia salvar os nossos espíritos sombrios e tristonhos da escuridão invernal.
— Acorda — sussurrei-lhe ao ouvido
— Já amanheceu?
— Sim. Temos de ir. O mais belo jardim do mundo espera por nós! Comprei os bilhetes para o primeiro comboio da manhã e não o quero perder.
O sol agora enchia completamente o quarto.
— Sinto-me tão bem! - disse-lhe eu, enquanto saltava da cama.
— É a dopamina que aumenta com a primavera e trás-nos essa sensação de felicidade...Sabias que é por isso que tantas pessoas se apaixonam nesta altura do ano?
— Fascinante teoria, mas agora levanta-te por favor, temos de ir!
— Não é teoria é ciência! Durante a primavera há muitos estímulos novos que ativam o cérebro e aumentam a dopamina. Há mais cor, novos cheiros, as pessoas usam menos roupa... tudo isso torna-nos mais suscetíveis ao amor.
— Bom, então estou a ver que tiveste muita sorte de me ter conhecido na Primavera — disse-lhe eu piscando o olho.
Quando saímos de casa, soprava um vento fresco que me fez apertar bem o casaco, mas o céu estava completamente azul e já se percebia que o dia ia ser quente.
Paramos para tomar o pequeno almoço numa pastelaria próxima e sentados na esplanada, com o café na mão, discutimos o nosso plano, animados com a perspetiva de passar o dia num dos mais famosos jardins de França. Comemos rápido e assim que nos levantamos, três pardalitos ocuparam o nosso lugar, aproveitando as migalhas que tinham caído das baguetes que compramos para levar.
Seguimos rápido para a estação de Paris Saint-Lazare e apanhamos sem dificuldade o comboio para Vernon - Giverny.
Durante a viagem demos por nós a falar sobre tudo e sobre nada e em menos de uma hora, sem eu sequer dar por isso, chegamos a Vernon.
O nosso destino final era a Casa e os Jardins do pintor Claude Monet, um dos fundadores da pintura impressionista francesa. Para chegar lá ainda precisávamos de apanhar o Le Petit Train Givernon, um comboio turístico que antes de chegar a Giverny e à propriedade que pertenceu a Monet, dá uma volta por Vernon.
Como ainda faltavam 35 minutos para o pequeno comboio partir, resolvemos explorar um pouco por nossa conta.
Descobrimos que Vernon é uma vila pequenina, mas cheia de charme. Seguindo as placas, a partir da estação, rapidamente alcançamos a praça principal, onde todas as lojas pareciam terminar em "erie" — Boulangerie, Patisserie, Boucherie, Fromagerie, Épicerie...
Não resistimos a comprar croissants quentinhos, acabados de sair do forno, na patisserie, para comer durante o caminho até Giverny.
A viagem de 20 minutos foi muito agradável. Passou (sem parar) por uma bonita igreja, por um antigo moinho e por um castelo — o Château des Tourelles.
Giverny pode ficar apenas a uma hora de Paris, mas parece que está a cem anos de distância no tempo. Os edifícios medievais, os riachos que serpenteiam por campos onde pasta o gado, as vinhas… Tudo parece saído de um quadro do século XIX. Consigo perceber porquê o Mestre impressionista se apaixonou pela região e decidiu morar ali.
“O meu desejo é ficar sempre assim, a morar tranquilamente num canto da natureza”
- Claude Monet
Foi em 1883, que Claude Monet, se mudou com toda a sua família, para a casa que agora aparecia à nossa frente.
Imediatamente avistamos os jardins, que era aquilo que, efetivamente nos tinha trazido até ali. Monet considerava-os “a sua mais bela obra de arte” e depois de os ver só podíamos concordar.
Do mesmo modo que os seus quadros, aqueles jardins transformaram-se num meio de auto-expressão do artista, um meio no qual ele trabalhou por mais de 40 anos.
Parte da sua inspiração veio de uma tendência popular na época — o chamado “Japonisme”. Muitas das suas plantas favoritas eram de origem japonesa, e ele colecionava gravuras de Hiroshige - o que quase de certeza inspirou a ponte em arco que ele mandou construir sobre o seu lago de nenúfares e que hoje é uma das maiores atrações dos jardins.
Durante a visita, nós caminhamos por entre árvores bem cuidadas e canteiros coloridos. Havia uma forte sensação de déjà vu que apenas podia ser explicada por estarmos a olhar para algo que já tínhamos visto muitas vezes nas paredes de museus como o Musée de l'Orangerie, no Jardin Tuleries. A diferença era que agora nós próprios estávamos dentro da obra do grande mestre. Tínhamos nos transportado até lá.
Comparamos e admiramos a realidade versus a ficção que resultou das pinceladas impressionistas.
Monet movia a tinta pela tela em traços, pontos, manchas e linhas sinuosas, imitando a forma como a luz interagia com a paisagem. Aplicava tinta espessa, tão espessa que criava sombras e aplicava tinta fina, tão fina que se conseguia ver a tela em baixo. Era esse contraste de textura, pinceladas e cores que tornavam as suas pinturas tão vivas e com tanto movimento.
As cores e texturas nas pinturas de Monet mudam dependendo de quão perto ou distante a pessoa está da tela. E o mesmo acontece com os seus jardins. As flores estão dispostas, lado a lado, com cores contrastantes ou harmoniosas: há laranjas com amarelos, vermelhos com rosas, azuis com lilases ou brancos com outros brancos. São os visitantes do jardim que misturam as cores com os seus olhos. E a experiência é diferente consoante olhamos de perto ou de longe, como se de uma verdadeira pintura se tratasse.
O passeio durava já há hora e meia quando, com os sentidos sobrecarregados pelas centenas de flores que à nossa volta explodiam de cor, pelo zumbido das abelhas, que por ali andavam a polinizar, pelo chilrear animado dos pássaros, pelas fragrâncias delicadas que sopravam no ar e faziam aumentar o nosso nível de dopamina, paramos para descansar debaixo de um Chorão.
Demos as mãos e trocamos um beijo apaixonado...
Eu e tu, tu e eu...
Personagens reais dentro de um quadro impressionista a que chamamos “Primavera”.
Bravo! Mais uma vez uma escrita irrepreensível que nos prende à história (seja ela real ou ficcional) e nos dá a conhecer locais idílicos e factos históricos e culturais.
Esta nova forma, mais pessoal e intimista de partilhar as minhas memórias de viagem, tem-me ajudado a "aguentar" melhor o confinamento. Recordar sensações, pensamentos e sentimentos que tive em viagem, faz-me ansiar pelo momento em que vou poder voltar a viajar com toda a liberdade. Obrigada pelo apoio Gaivota querida. Fico muito contente que gostes de me acompanhar por estas memórias especiais. Beijinho
Olá! Eu sou a Ana Barreto, mais conhecida por Travellight e criei este blog para partilhar o meu "vicio" por viagens e tudo que tem a ver com elas. Já visitei mais de 80 países e um incontável numero de cidades.
Sigam-me, façam perguntas e deixem que vos inspire!
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