O dia em que o meu pai me deu o mundo de presente
Era véspera de Natal. Eu devia ter uns 6 anos e mal podia esperar pela hora de abrir os presentes. Andava de volta da árvore, compunha o menino Jesus no presépio, contava os embrulhos... Já ali estavam alguns para mim, mas eu sabia que os principais ainda estavam por vir.
Eu tinha me portado excepcionalmente bem durante o mês de Dezembro e estava confiante que o Pai Natal ia trazer todos os itens que constavam da minha lista.
Em minha casa os presentes só eram abertos na manhã de Natal, assim naquela noite quando a minha mãe me mandou para a cama, eu não resmunguei nem me fiz de rogada como era costume. Pelo contrario, apressei-me a lavar os dentes e a deitar-me. Assim o “grande momento” chegava mais depressa.
Levei imenso tempo para adormecer, fiquei às voltas na cama a ver se ouvia o Pai Natal chegar, apesar de por essa altura eu já ter fortes dúvidas sobre a sua existência 🤔
A chaminé da minha casa era muito estreita, não havia maneira de um homem caber ali, ainda mais um homem grande como o Pai Natal. Aquela história não fazia sentido - a bota não batia com a perdigota, como dizia a minha vizinha do lado - mas enfim, era preciso era que as prendas chegassem, como chegavam, eu depois pensava nisso.
6h30 da manhã já eu estava de pé. Corri para a árvore e… Aleluia! Ali estavam eles, os meus tão esperados presentes.
Estava lá a Barbie, estava lá o último jogo da moda, mas estava mais uma caixa que era pequena de mais para ser a casa da Barbie que eu tinha pedido… seria só o carro da boneca? não era bem o que eu queria... ainda assim, não era mau de todo.
Abri a caixa … que decepção… parecia uma bola? não, não era isso… Era um globo, um globo terrestre… 🙁
Ora bolas! Para que é que aquilo servia? O que é que eu ia fazer com aquilo?
Nisto o meu pai, ao ver o meu ar triste e decepcionado aproximou-se e perguntou-me o que se passava. “Eu queria a casa da Barbie” choraminguei eu…
O meu pai sentou-me no seu colo e na sua infinita sabedoria disse-me : “Filha para que queres tu uma casa de brinquedo quando podes ter o mundo?”
“Como assim?” - perguntei eu, já a resmungar.
O meu pai pegou no globo: “Olha tanta coisa que tu podes descobrir só a olhar para aqui. Apontou para Angola: “Repara, aqui foi onde tu nasceste”, Apontou para Goa: “Aqui, foi onde eu nasci”. Apontou para Portugal: “Nós vivemos aqui agora.”
Apontou para o sul do continente Africano: “Aqui vivem elefantes, girafas e rinocerontes, e aqui a norte estão as pirâmides que tu queres explorar” (quando era miúda eu queria ser arqueóloga).
Eu apontei para a China:
“E aqui?”
“Aqui as pessoas falam Chinês e tem uma muralha tão grande, tão grande que se consegue ver do espaço”
Apontei de seguida para os EUA:
“E aqui?”
“Aqui fica a Disneylândia” (outro dos meus sonhos na altura) e foi daqui que saíram os foguetões que pousaram na lua…”
E assim por diante… cada ponto que eu indicava o meu pai contava-me uma história ou um facto interessante.
Despertou de tal forma a minha imaginação que comecei a olhar para aquele globo de uma maneira totalmente diferente.
Hoje parece uma coisa muito simples mas numa altura em que ainda não existia Internet (sim, eu sou do séc. passado 😒) aquele objecto converteu-se num instrumento de educação interactivo que ajudou a despertar a minha curiosidade para tudo o que o mundo tinha para me oferecer.
Muitas vezes fiz perguntas ao meu pai sobre determinado país ou pesquisei na Enciclopédia que língua falavam na Islândia ou no Gabão.
Este globo, que ainda hoje está ao lado da minha secretária de trabalho de casa, acabou por se transformar numa das mais queridas e importantes memórias que o meu pai me deixou.