Foi nesse instante
— Onde vamos agora?
— À Acrópole, é claro! Vir a Atenas e não visitar a Acrópole é um sacrilégio, meu caro!
— …Hummm, sim… Mas agora a sério, queres mesmo ir lá acima outra vez?
— É claro que sim! Eu sei que parece coisa de turista, mas para mim subir as escadas de mármore do Partenon é como abraçar a cidade. Não é possível entender Atenas, a sua relevância, o seu ser, o seu passado e o seu presente sem ir até lá…
Um dia disseram-me isso e eu concordo. É um lugar essencial para compreender a alma grega e sua beleza intemporal.
Ele deu uma gargalhada, — Fui eu que te disse isso!
— Pois foi. Ainda estávamos na fase da sedução… lembras-te?
— Como se fosse ontem… tu parecia que “bebias” as minhas palavras.
— Convencido! Acho que era mais o contrário — disse eu sorrindo e puxando-o pelo braço.
— Ok, ok, vamos…
Baixou a voz e sussurrou ao meu ouvido: Até calha bem porque lá perto há uma coisa que te quero mostrar.
Do animado e colorido mercado da Praça Monastiraki, onde nos encontrávamos, fomos subindo devagar até à Acrópole.
O barulho da cidade desapareceu e deu lugar à serenidade do charmoso bairro de Plaka. Mais um pouco e estávamos no topo, a olhar para o Partenon, para o Erecteion e para as Cariátides. A imaginar a Grécia Antiga em toda a sua glória e esplendor.
A imaginar quando Atenas, o berço da democracia, entrou na sua idade de ouro e floresceram ali os grandes pensadores, escritores e artistas.
Foi aqui que Heródoto cresceu, que Sócrates ensinou e que Hipócrates combateu com sucesso uma epidemia. Foi também aqui que Fídias criou as suas grandes esculturas, que Demócrito imaginou um universo de atómos e que Ésquilo, Eurípedes, Aristófanes e Sófocles deram fama à tragédia e à comédia.
Tantos legados importantes para a humanidade…
A vantagem de voltar várias vezes a um lugar, é que se consegue reparar em detalhes que numa primeira visita quase sempre te escapam. Seja por estares preocupada em ver o máximo possível, seja porque te distrais com as fotografias, seja porque te falta maturidade para apreciar convenientemente, seja porque for… Para mim, a segunda, a terceira, a quarta visita, são sempre melhores.
Percorrido todo o recinto arqueológico, ele agarrou-me na mão e dirigiu-me para a frente do Museu da Acrópole. Deixando a pequena multidão de turistas para trás, seguimos pela Rua Thrasylou que adiante se transforma na Rua Stratonos.
— Onde vamos? Perguntei, sem obter resposta.
Viramos à direita e subimos a colina até chegar a uma divisão na estrada. Mais cinco minutos a subir à direita e chegamos até uma igreja. Era a Igreja de St. George Stratonos (Igreja de São Jorge das Rochas).
— Era isto que me querias mostrar?
— Não! Vamos continuar a subir, disse-me, apontando para o lado esquerdo da igreja onde estava uma escadaria que parecia levar a um beco sem saída.
— Tens a certeza que sabes para onde me estás a levar? Isto não me parece muito seguro…
— Não confias em mim?
— Não! Gritei eu a rir enquanto largava a correr pelas escadas acima.
Cansada e ofegante, parei um pouco para respirar e deixei que me apanhasse. Olhei para cima e fiquei surpreendida com a magnifica vista do Monte Licabeto.
Reuni forças e segui em frente, e…. De um momento para o outro fiquei cercada por casinhas brancas, com janelas e varandas decoradas com buganvílias e vasos de flor. Parecia que tinha deixado Atenas e chegara, como por magia, a Mykonos ou a qualquer outra ilha do arquipélago das Cíclades.
— O que achas?
— É lindo! Não conhecia... Onde estamos?
— Em Anafiotika!
Enquanto passeávamos por ali, ele contou-me a história do pequeno bairro.
Fiquei a saber que Anafiotika surgiu no reinado de Otto da Grécia — o príncipe da Baviera que, em 1832, se tornou o primeiro rei moderno do país. Nessa época foi necessário contratar muitos trabalhadores da construção civil e artesãos para trabalhar nas obras que o rei queria realizar no seu palácio e noutros edifícios da cidade. Estes acabaram por vir, na sua maioria, de Anafi, uma pequena ilha grega do arquipélago das Cíclades.
Sem ter onde ficar, alguns desses carpinteiros e pedreiros ocuparam o terreno rochoso localizado logo abaixo da Acrópole e começaram a construir casas semelhantes às que tinham na sua terra. É isto que explica o aspeto pitoresco e arquitetonicamente diferente deste bairro de Atenas.
Em meados do século XX, por causa de escavações arqueológicas, grande parte do bairro acabou por ser demolido e os seus habitantes foram obrigados a procurar habitação noutro local. Muitos dos edifícios foram igualmente desapropriados pelo Ministério da Cultura, deixando Anafiotika com apenas 45 casas (ainda habitadas), que hoje são consideradas património nacional.
Continuamos a subir a colina, passando pelas pequenas casinhas brancas com janelas e portas coloridas. Espreitamos os becos, apreciamos a arte urbana, sentimos o cheiro das flores e vimos dezenas de gatos que por ali andavam. Quase esquecemos que ainda estávamos no meio da agitada capital grega até chegarmos a um miradouro que se abria numa fabulosa vista sobre a cidade de Atenas.
Um músico de rua tocava uma antiga canção de Demi Roussos e ali perto uma senhora regava as suas plantas com a janela aberta. Do interior escapava um cheirinho bom de comida caseira.
Ficamos em silêncio, por momentos, a ouvir a música e a olhar para aquela imensa cidade…
“Uma pessoa pode levar uma vida inteira para descobrir a Grécia, mas só leva um instante para se apaixonar por ela." — Henry Miller
Para mim, esse foi o instante.