A valiosa lição que aprendi no Miradouro do Portinho da Arrábida
Foto: H. Borges
Num destes dias, numa visita à Arrábida, dei por mim sentada na beirinha do miradouro do Portinho, um lugar que parece resumir numa imagem toda a beleza natural da serra.
Depois da excitação dos primeiros minutos em busca da foto perfeita — aquela que todos publicam no Instagram — dei por mim a parar e a refletir sobre a vida e sobre a atração dos humanos pelo abismo.
Tal como eu, mais pessoas estavam sentadas naquela rampa, arriscando uma valente queda… umas mais do que outras. Eu tive cuidado, não me aventurei muito em poses perigosas, mas fiquei a observar os outros e vi alguns a tomarem atitudes bem corajosas (talvez até irresponsáveis?)
O que levaria as pessoas a agir assim? Seria mesmo só por causa de uma fotografia?
Penso que não.
A atração pelo abismo existe porque somos seres curiosos. O desconhecido assusta, mas ao mesmo tempo excita. Desperta em nós sentimentos poderosos e confusos.
A forma como cada um encara o abismo e o risco de uma queda, no meu entender, diz muito sobre a sua personalidade e sobre a sua maneira de enfrentar os desafios da vida.
Algumas pessoas aceitam conscientemente os riscos, olham o medo de frente e superam-no sem hesitações. Vivem o momento e no momento.
Outros são irresponsáveis, nem pensam no perigo, agem por impulso.
Outros ainda, pesam os prós e os contras, fazem contas de cabeça e avançam… mas sempre com cuidado.
Finalmente há aqueles que não arriscam nada. São aqueles que nem sequer se sentam na plataforma. Podem ter vertigens, talvez…
Ninguém é melhor do que ninguém, apenas somos todos diferentes.
A verdade é que a incerteza dos tempos que vivemos pode causar (à maioria das pessoas) uma ansiedade tremenda. Distanciamento social, máscaras, proibição de viagens, taxas de mortalidade…
O nosso cérebro entra em modo “sobrevivência” e está constantemente a fazer julgamentos sobre o que é seguro e o que não é. Tal como quando ficamos pendurados à beira de um abismo.
Para a nossa mente, incerteza pode equivaler a perigo. Se o nosso cérebro não sabe o que está para vir, ele não consegue manter-nos fora de perigo. Pode pressupor o pior, personalizar demasiado as ameaças e tirar conclusões precipitadas — Tudo em nome da sobrevivência.
Li recentemente num artigo que a incerteza no emprego, por exemplo, tem um impacto maior na nossa saúde do que perder efetivamente o emprego.
No entanto, algumas pessoas parecem lidar melhor com estas situações. Um amigo meu costuma dizer que essas pessoas “duram até aos 200”, nunca se preocupam com nada, levam a vida “na brisa”…
Os otimistas também estão protegidos. Para eles o risco existe, a incerteza está lá. Eles estão conscientes disso, mas no seu intimo sabem que tudo vai ficar bem.
Eu estou mais na categoria dos que pesam os prós e contras. Não deixo de viver, de fazer aquilo que acho importante, forço-me a avançar, mas sou cuidadosa, às vezes até medrosa… e sofro, sofro muito por antecipação e por causa disso acabo por não aproveitar bem o momento.
Tenho tentado melhorar esse traço de personalidade, e achava que tinha conseguido, mas uma simples foto no miradouro do Portinho da Arrábida fez-me refletir sobre a vida e mostrou-me que ainda estou longe disso...
Foi uma lição valiosa :-)
O grau mais elevado da sabedoria humana é saber adaptar o seu caráter às circunstâncias e ficar interiormente calmo apesar das tempestades exteriores.
— Daniel Defoe