O Natal nunca mais foi o mesmo
Para mim o Natal tem um certo sabor agridoce.
Não me entendam mal, eu gosto da festa, mas o problema é que junto das recordações alegres, teimam em aparecer algumas bem tristes…
A minha família alargada é numerosa, mas em casa éramos poucos — só três: a minha mãe, o meu pai e eu.
Nem por isso os natais deixavam de ser bem animados.
Havia sempre a tradição de montar a árvore com o meu pai e de seguida o presépio com a minha mãe. As luzes quase sempre falhavam. Eram montadas naqueles circuitos em série e apagavam sempre que uma das luzes se fundia. O meu pai tinha de ver uma por uma para depois substituir a que estava estragada. Era preciso uma paciência…
Fazer o presépio era outra alegria: Montar o cenário, colocar musgo para dar realismo, pôr o Menino Jesus na manjedoura e todos os dias aproximar os Reis Magos um pouco mais da cena da natividade, eram coisas que me divertiam e despertavam a minha criatividade.
Na mesa da ceia não faltava o bacalhau assim como o bolo rei e os doces tradicionais da época. A bebinca, um doce típico de Goa, terra dos meus pais, também era presença obrigatória. O meu pai punha música a tocar e cantarolava Jingle Bells enquanto ia surripiando os pasteis de carne que a minha mãe fazia como entrada. Eu (é claro!) ajudava a comer. Os pobres pasteis nunca chegavam a ir à mesa 😀.
Eram tempos felizes. Os problemas (com toda a certeza) existiam, mas eu não dava muito por eles. Os presentes às vezes não correspondiam aos pedidos que eu tinha feito ao Pai Natal, mas passada a frustração inicial, eu centrava a minha atenção no novo livro ou no novo brinquedo e ficava contente.
Recordo-me da sensação de segurança que tinha ao ver os meus pais sentados do outro lado da mesa. Acho que nunca mais me senti assim desde que eles partiram. Não, minto… Acho que essa sensação desapareceu um pouquinho antes.
Foi no último Natal que passamos todos juntos, já com o meu pai muito doente e fragilizado pela hemodiálise.
Nesse ano lembro-me de sentir principalmente preocupação e um grande peso no coração por não saber até quando os teria aos dois junto de mim. Tentei afastar os maus pensamentos e concentrar-me no momento. Aproveita-lo!
Não deixei nada por dizer. Eles ficaram a saber exatamente quanto eu gostava deles e como eram importantes para mim. Essa paz eu tenho.
Infelizmente a intuição não me enganara e poucos meses depois eu despedia-me do meu pai e quatro anos mais tarde da minha mãe... A minha mãe foi levada para o hospital a 23 de dezembro.
Depois disso o Natal nunca mais foi o mesmo.
Hoje ultrapassei um pouco a dor e consigo celebrar novamente. Não deixa de ser bom, é só diferente porque nessa noite especial, na mesa junto comigo, sentam-se dois anjos da guarda. Os meus anjos da guarda.